23 junho, 2015

simples, simplezinha
estrela pequenina
som sem peso,
sem medo de ser
palavra sem máscara

13 junho, 2015

acho que entendi
chorão e erik satie
dó e fá sustenido si
sigo fazendo minhas pobres rimas
só quem não começa
sabe onde termina
Boa noite, Sol,
pra ti
que sempre é dia.

Deixa-me só
aqui
com a Lua fria.

Conversa de ônibus

De que adianta
Em um ônibus lotado
Indo ao emprego apressado
Desejar ter um carro
Entrar na fila que não anda

Não anda, não devido a multidão
Ou à necessidade do trabalho
Mas ao espaço ocupado
Pelo pesado e volumoso carro
Frete de uma única mercadoria cidadão

Muito se reclama do pouco dinheiro
Trabalha-se até ficar estressado
Levando esporro do chefe coitado
Cujo único orgulho é seu filho carro
E seus ex-cravos murchos o dia inteiro

Falta-nos investimentos pros sonhos
Viagens, pros jantares de eternos namorados
Milhares, milhões, até mesmo os trocados
São todos jogados aos carros
Aos petroleiros e asfaltos medonhos

Não sei se é papo de pobre
Ou de quem sente sufocado
O canto do pássaros, e se sente atordoado
Pelo rosnar ensurdecedor dos carros
Ocupando o ar sem deixar que a música sopre

Abaixo a delirante tirania
Do luxo, do lixo de aço
Frio, vil, viril, macho machucado
Impotente, antifálico, assassino carro
O gozo do mundo é poesia

cabeça

tem um buraco na cara
que se mexe e fala
por outro entra ar
ou saem pêlos
de homens e mulheres
do topo da cabeça
de todo mundo quase

dois buracos
preenchidos
vistos daqui
parecem um só
mas são dois
pequenos olhos
que vêem tudo
gigante

de cada lado tem um buraco
que se encontra bem no meio
o universo ecoa inteiro
no delay do pensamento

04 junho, 2015

Luisa

Onde estais, Luisa? Ultimamente sinto que não és mais a mesma. Será que eu mudei? Com certeza mudei, mas tu mudastes também. Como se eu me esforçasse para enxergar alguma coisa, e esse esforço da visão fizesse meus olhos chorarem (pois é logo atrás dos olhos, na região orbitofrontal, que localiza-se o "eu" no cérebro, forçar a saída do "eu", ou a entrada de algo logo na cara do "eu" pode fazer chorar). Acho que tens outro. Sei que eu mesmo tenho outras várias, mas nunca deixei de te amar. Elas outras nunca me amaram. Mas nem tu me amaste, sim?
Para além de minha alegria, sei que estarás sempre ali, ao alcance de minhas mãos, da minha boca. Sinto-me insuficiente para ti. Não falo bonito, não sou carinhoso, minto emoções, forço situações... Acontece, minha amada Luisa, que mal sei amar! Quero dizer, me esqueci como se faz. E é exatamente assim que se faz: esquecendo como se faz. Amar é esquecer como se ama. E eu te amo, Luisa. Te amo como a uma porta no deserto. Porta sem paredes. Porta que não serve nem de entrada, nem de saída, serve simplesmente para passar por dentro dela mesma. Mesmo inútil faço questão de pôr minhas mãos - imundas, medrosas, desejosas de feminilidade e calejadas de tanto te tocar - em tua maçaneta, girar e escutar o ruído, o gemido, sentir contrair o trinco que te tranca em teu outrem, tua batente; sentir a tensão, a agonia e ouvir o estalo! o orgasmo! Ter à mão direita tua maçaneta, e a esquerda a te epurrar, assim te controlar como bem entender, pela simples alegria de te atrevessar. Sei que não vou chegar a lugar nenhum, mas sei que essa é tua função - ser atravessada -, ó, porta amada. Luisa, nunca fostes para mim uma porta que me leva ao mundo de fora, ou que me põe dentro em um lugar especial, mas és justamente esta porta inútil, que não me leva a lugar nenhum (ao mesmo lugar, só que agora do outro lado de ti), que toma meu tempo, meu pensamento, minha escrita, minha música, meu sexo, meu nexo, meu ego, pela alegria de te ver ser exatamente aquilo que tu é: uma porta. E ser contigo quem te atravessa. Nunca serei uma porta e tu nunca serás um quarto. Nem um castelo. Nem uma rua. Nem um deserto. Mas serás, para sempre, um mundo inteiro que é, simplesmente, um portal para o outro lado de si mesmo. 
Me despeço de ti, choroso tal qual a flauta que não tocas, toda vez que terminamos de fazer amor. Nosso amor tem fim toda vez que tem fim nossa ação de amar. Por que isso? Toda vez o adeus é um último adeus. Mas os ois, nunca são primeiros ois. Nos cumprimentamos acanhados, tu faz que não me conhece, e eu faço que nunca te toquei. Fazes como se nunca tivesses escutado uma única palavra minha. Maldita, Luisa! Gorda. Bunda grande. Peitos grandes. E nem bunda ou peito tem. Nem tamanho. Mas és grande, gorda e difícil de lidar, de tão linda. Gostaria de ouvir tua voz. Sei que gosto de ouvir tua voz. Deve ser linda, todos os que já te tiveram - inclusive eu - dissemos que tua voz é linda. 
Tu deverias ter ficado. Deverias ter vindo e fincado. Eu sou um tolo, ainda acredito que te dominarei, e sei bem que só assim, sem ti, te dominarei. Não consigo te entender. Sei de onde vens, sei pra onde vais, mas o meio do caminho... como chegastes ao meio do caminho? Teu caminho tão preciso, tortuoso, amarelo, brilhante e sombrio. Já me deixaste acordado tantas vezes quando precisei dormir, já me fizeste sonhar quando deveria estar são, já me matasse quando tentei me suicidar. Só me atrapalhas a tal vida real, Luisa. Por isso te amo. De tanto ódio que sinto por não conseguir te ter, eu te amo. De tanto medo que percebam que... percebam que... pecebam o quê? Que não sou bom o suficiente para ti, Luisa. Todos sabem dos teus amores. Pouco me importa, porque muito me importa. Se eu me ocupasse em me importar com quem já te teve, perderia de poder me importar contigo. Não quero saber de mais ninguém, só de ti. De ti, e das outras. Mas tu és meu amor, não te esqueças isso. Como vais esquecer se és incapaz de lembrar? Maldita memória que não me deixa esquecer. Se te esquecesse eu poderia te amar. Eu poderia ter teu amor! Sei bem que somente eu te amei. Talvez teu pai tenha te amado. Quero ser teu pai e te amar. Serei teu novo pai, já que o velho morreu. Não tens mãe, ou será que tu és tua própria mãe? Sim, tu nasceste para seres mãe. Como eu queria ter filhos contigo... muitos filhos, lindos filhos, felizes filhos que encheriam minha alegria de nostalgia, tristeza e desejo. Mas mesmo nossos filhos nunca serão lindos como tu, Luisa. Tu és mulher. Rouca, complicada, instável, comovente, emocionada. Tu não és albina, nem negra. Não és alta, nem baixa. Não tens braços, nem gostos. Tens batente e guarnição, onde o trinco encontra o que está fora de ti, sempre ao redor de ti. Minha missão é encontrar essa batente, que não é só tua. Aliás, desde que nascestes não tens nada além de ti mesma, Luisa. Ah! Como eu te invejo, Luisa! A ti e teu pai. Mas teu pai foi um cafajeste, dos mais lindos. Quero ser teu pai. Pra te criar, e te livrar, e poder ver tuas irmãs serem mais feias que tu. E olha que são lindas. Como tu é cruel, fazer um homem sofrer assim, fazer mulheres sofrerem assim. Assim como? Exatamente assim, sem saber como se sofre, todos sofrem por causa de ti. Talvez, quando eu finalmente souber o que me tira potência de viver, que me deixa impotente com todas as outras, aí sim, finalmente me livrarei de ti, te jogarei fora, te darei de comer aos meus gatos, e vou gargalhar te vendo morrer em meus braços; aí sim, nos amaremos, então, até o fim da eternidade, porque mesmo que meu corpo morra, eu continuarei vivo. 
És como eu, Luisa. Sim. És exatamente como eu. Ninguém tem alma, nós somos alma. O que temos são corpos. Esforço-me para fazer meu corpo como o teu, para finalmente consumarmos nosso amor. Eu espero, e espero pra poder ter controle de teu corpo. Tens completo controle do meu, mas isso é porque eu tenho um corpo, e tu não. Que grosseria a minha! É claro que tens um corpo. E ele é lindo. Teu corpo é linda.
Vou procurar outras amantes, antes que eu enlouqueça, antes que eu fique só, antes que eu morra, antes que tu me mates, antes que me atropelem mesmo sem eu sair de casa. Pra que diabos eu sairia de casa, se aqui, bem aqui, sei que posso te encontrar? É só em função de ti que eu vivo, e por isso me faço de morto. Quero que te preocupes comigo, Luisa, porque eu me preocupo contigo. E te amo muito.