19 março, 2017

Funk é filho de samba, do rap, sob o império do pop, na nação bossanova

Em nome da tradição se endurece e desbota, a vida se alegra quando se alarga. O samba nasceu, o morro é pai, agora brancos querem dizer o que se deveria fazer para estetizá-lo melhor. Mas Arte não é objeto, e como um sujeito rebelde, o samba cruzou com quem quis e quem o quis. Bossanova não é samba, é mulato de classe média que estudou o Brasil no exterior. Se ganhou o reconhecimento que ganhou internacionalmente é talvez porque tenha feito um bom trabalho, e consigo levou tudo o que lhe formou, de samba a Bach. O Brasil passou de exportador de matéria prima, banana, café, o que há de mais primitivo no mercado, e passou a exportar Arte, quem diz é Tom Zé. Em nome da tradição a música brasileira poderia estar fadada ao bairrismo e ao prestígio exclusivo de certos nichos, como já acontece com choro e o próprio samba. Popularidade não é sinônimo de qualidade, vide Romero Britto, juízo de gosto idem, vide estreia de Le sacre du printemps de Stravinsky. 

Funk é filho de samba, do rap, sob o império do pop, na nação bossanova. Genioso, incompreendido, antropofágico e visceral. Sem metáforas, é preciso mais que semiótica para interpretá-lo, é poesia inconcreta, pura imagem e batida, sem narrativa, um loop possível infinito, sensual e explícito.



"E tal dupla – o músico-teórico Pitágoras e o músico prático Jubal – sinaliza a assimilação medieval de uma distinção de raízes platônicas que, amplificada por Boécio, ainda ressoa em nossos ouvidos: em uma esfera, a música é entendida como meio privilegiado para a ascese mística, mas em um círculo mais baixo, a música, demasiadamente humana, é causa de emoções desordenadas e, por conseguinte, um instrumento incitador de degenerescência." (Sérgio Freitas. p 13)

Harmonia das esferas: Pitagorismo, ordem e beleza na teoria da harmonia tonal. - Sérgio Freitas 

05 março, 2017

Se o MBL falou, tá valendo o contrário



Imagino que as mazelas da colonização pelos brancos na Angola são diferentes das no Brasil. Vale a leitura e reflexão do livro Pele negra, máscaras brancas de Fantz Fanon. 

Ora, depois de quase meio século de escravidão no último país a abolí-la formalmente, ou é ingenuidade ou má fé comparar, sem ressalvas, a problemática dos negros com a dos obesos. Muitos grupos minoritários, não porque são em menor número, sofrem prejuízos em decorrência do preconceito da maioria, que também não a ver com quantidade, suas origens, efeitos e máquinas de guerra são diferentes, os loucos, as mulheres, os engajados nas questões de gênero, os negros, os obesos, os árabes, os pobres, etc. Há e haverá aquele que, pela cor ou classe, é oprimido, mas que encontra privilégios da maioria, da casa grande, via acordos contra o próprio grupo a que pertence. Vemos filmes sobre judeus que ajudaram nazistas, negros que ajudaram escravocratas, etc. Por exemplo o jovem conservador Fernando Holiday, vereador negro de São Paulo pelo DEM, militante do MBL, que tem projetos contra cotas, contra o feriado da consciência negra e provavelmente outras canalhices do tipo.

A questão do turbante especificamente é polêmica, eu não saberia opinar, mas sinto que apropriação cultural, que no Brasil se dilui e se confunde com nossa anti tradição antropofágica, existe sim. Há pressão no social para embranquecer sim, alisa-se o cabelo por muito mais que essa suposta praticidade do cabelo liso. Eu mesmo que nem negro sou me envergonhava por meu cabelo volumoso, pelo simples motivo de ser volumoso, sentia-me feio porque não me reconhecia nos heróis, cantores e outras personas brancas de cabelos lisos que bombardeam crianças dia e noite. Se um branco quiser fazer seja lá o que for que grupos de negros e outras minorias possam criticar como racistas, pouco o impede de fazê-lo, no entanto responsabilize-se e reconheça que se pode pertencer, sim, a esta categoria de quem ignora a questão racial. 

Nas palavras de quem tem propriedade.



Na polêmica sobre turbantes, é a branquitude que não quer assumir seu racismoAna Maria Gonçalves




04 março, 2017

O Estado hostil contra a Música forte

 


O vídeo chega a assustar pela truculência diante de um conflito tão banal quanto volume de música em um Sábado à tarde, faltam mandado e medidor de decibéis, sobram armas e confiscos.


Não adianta argumentar com o funcionário, militar responde à corporação e outras autoridades. No começo do vídeo o policial faz uma pergunta mui pertinente, és advogada? Se fosse, pela Lei, o funcionário público teria de mudar o tom, chamar de doutor e outras bobagens. Militar não responde às mesmas leis civis.


Não estivessem uniformizados, ninguém teria dúvida de que se trata de assalto, e esta deve ser uma questão central da discussão, o Estado ampara e legitima este tipo de arbitrariedade, vide reintegrações de posse, apreensões de fantasias políticas e toques de recolher durante o Carnaval. É inútil discutir essas questões com um policial no exercício de seu ofício, militares são treinados para suportar ofensas e pressões psicológicas muito piores que nossa civilizada consciência poderia articular.


Precisamos resolver os traumas decorrentes da ditadura, resgatar a Comissão Nacional da Verdade, problematizar a militarização da polícia nos municípios, nos desalienar de motivos e interesses da ação do Estado, ou ao menos reconhecer seus efeitos, por exemplo, em periferias, comunidades de maioria negra. O problema é estrutural.


Publicação original do vídeo

AVALANCHE Mídia