01 dezembro, 2015

Quantização, afinação digital, música ciborgue

Sinto que todo álbum novo de música popular que ouço utiliza de recursos digitais pra precisar tempos e notas, pra realizar o ideal do metrônomo infalível e da escala cromática de 12 semi tons. Há boas composições, mas se maquia o intérprete. Maquiagem pode realçar detalhes do belo, pois que há o feio.
O músico estuda o metrônomo pra sentir o groove, e a partir dele, por que não, dinamizá-lo. Um maestro ao reger não usa metrônomo, usa-o em um momento anterior, para estudar. Músicos bons reproduziriam ao vivo a mesma técnica do gravado, se assim o quisessem, poderiam gravar ao vivo, sem metrônomo. Como seriam o ralentando, a fermata, a troca de compasso?
Eis o problema da afinação, o absolutismo das notas, o Lá sempre 440HZ, é possível e praticável, mas o que interessa à tonalidade, e esse é um problema de nosso tempo, é a relatividade entre as alturas das notas. Ouvir o pouco ou o muito que desafina um cantor é ouvir o quanto ele é bom, é ser afetado pela reprodução da voz de um sujeito, uma voz editada afinada ainda é real, mas quem a produz é o digital, por síntese, ou outro tipo de produto, entre o músico cantor, o produtor musical técnico e o software, não sabemos mais apenas dos músicos.
O chorus desloca e desafina. Dobramos takes de voz para relocar o deslocado e afinar o desafinado, como num coro, numa orquestra. Por isso são tão diferentes, grupo grande, quarteto, trio, etc, não é apenas questão de textura e timbre, mas também de afinação e tempo.
A digitalização da música popular cria uma estética, como uma mídia, filme, fantasia, Arte, gera outra utopia, uma precisão impossível, maquinária, talvez por isso tão popular e lucrativa, quase como se não houvesse espaço para a falta, como se para quem ouvisse essa música não houvesse mais nada a desejar, pois que não há lacuna, falha, humano, a música editada é ciborgue.