04 abril, 2018

Rock brasileiro em português ou inglês?

Particularmente, prefiro bandas nacionais cantando na própria língua, mas talvez seja só questão de valor próprio. Acho bonito que um artista sinta desejo de fazer algo pela linguagem que o constituiu.

Me parece que há alguns motivos diferentes pra pessoa compor especialmente em inglês.

Uma intenção internacionalista, de assumir a convenção de inglês como língua internacional, como acontece na internet, o cara compõe assim pra ter alcance internacional.

Um juízo estético, de sentir que o rock em português causa estranhamento, fazem analogias com gêneros de que não se gosta, como o sertanejo, pra justificar a preferência. Em minha opinião, esta intersecção em particular entre o rock e o sertanejo é muito pertinente, tem muitos aspectos semelhantes, desde origem até figurino. Noutro nível, acho que de estética das línguas ou coisa do tipo, acho que o inglês ainda oferece outra facilidade que é de ter muita palavra monossilábica.

O que acho mais interessante são os que dizem que em inglês o sentido da palavra não é à priori, tanto pro ouvinte, que se permitiria estar mais sensível aos afetos próprios da música, como melodia, harmonia, ritmo, etc, quanto pro autor, que pode se expressar com mais segurança de não ser compreendido. A meu ver este é o aspecto mais importante e o que mais mantém o compositor escrevendo noutra língua, porque acredito que a palavra, a expressão, o sentido, é o que temos de mais valioso. Escrevemos noutra língua pra poder falar sem dizer. 

Pessoalmente, gosto muito de ouvir música japonesa por serem lindas e por não entender grande parte do que dizem. Nas músicas em inglês, mesmo as que canto e ouço desde adolescente, curto palavras sem me dar conta de todo o sentido. Mesmo em português, muitas vezes em cantar ou ouvir de novo de maneira nova uma canção me dou conta de outros sentidos. Por fim a música instrumental, que tem sentido e ninguém sabe qual é.

Não me parece se tratar só de qualidade, quem comenta que o que importa é que seja bom não responde a questão. Entendo o seguinte, do universo das músicas que se considera boa, prefere-se as nacionais em português ou inglês? A não ser que a pessoa não goste de nenhuma música brasileira composta em inglês, Sepultura, Angra, Cobalt Blue, "Chansong" do Tom Jobim, "London, london", "You don't know me", e outras do Caetano, algumas do Gil, e por aí vai, não sei se alguém se atreveria a dizer que o rock nacional em português que mais detesta é melhor que o rock nacional em inglês de que mais gosta. Pra questão fazer sentido a qualidade deve ser abstraída.

Também não gosto dessa posição relativista, esse papo de que gosto não se discute. Aqui não nos esforçamos pra mudar o gosto de outro, só estamos justificando nossos próprios, estética é um assunto muito legal e relevante. Me parece até o contrário do que deve fazer alguém que se diz sensível à arte, isso de se fechar à troca de ideias. Então, tem coisas óbvias também, cada um faz o que quer e escutar o que quer, também não acho que seja a questão, mas sim justificar a escolha, a preferência.

Não acho também que a qualidade da dicção, precisão gramática seja relevante ao gosto, a língua é viva e muda, o próprio português brasileiro, inglês americano, é cheio de adaptação. Falar correto é falar como um americano, ou inglês, ou nigeriano, ou sul africano, etc?

Daniel sempre mandando bem e colocando a galera pra refletir sobre seu próprio trabalho, acho que nem sabes o quanto contribuis pra qualidade da música do nosso estado pra além da questão informativa, mas de formação de público e do próprio artista, que vai procurar refinar seu trabalho pra chamar tua atenção.

03 abril, 2018

Novilíngua sem limites, lobotomia hoje se chama psico cirurgia

A psiquiatria, associada à neurologia aplicada, é o único ramo da medicina que não se preocupa com o paciente adoecido. Seu sucesso consiste em mudar o comportamento do paciente, e porquanto se diga que o problema a se resolver é um nervosismo incontrolável, tanto o repórter quanto o profissional de jaleco entrevistado concluem que o sucesso foi ter feito o rapaz agora lobotomizado já não dar mais trabalho à família.

Nunca se ouvirá de um médico que deseja curar um paciente com câncer afim de dar menos trabalho aos familiares, no entanto a psiquiatria invariavelmente intervém em um sujeito por causa dos outros em volta dele, nunca em nome do bem estar do sujeito que diagnosticam.

A cirurgia dita inédita, desenvolvida durante os anos 30 em Portugal, recomendada para quem sofre de problemas mentais, parece resolver os problemas de todos exceto de quem é diagnosticado. Repare nos movimentos do sujeito psiquiatrizado, o olhar vago, baixo, inexpressivo, porém manso, domesticado. Não está sequer normalizado, mas neutralizado, que parece ser o único resultado possível da psiquiatria contemporânea, da ritalina eletro choque. É preciso relembrar que lobotomia não é novidade e há tantas pesquisas comprovando sua ineficácia quanto é certa a agonia que nos causa a ideia de seccionar nosso cérebro.

O repórter começa e termina a reportagem sem falar do paciente, mas insiste que a mãe, essa sim, finalmente pode viver uma vida tranquila com o filho. Ela deveria se perguntar, ainda é o mesmo filho? Qual a relação entre cérebro e mente, entre mente e ser? O comportamento é sintoma do que não devemos ser, ou justamente o sintoma de não sermos o que somos? Agora, com o filho manso, inexpressivo e de conexões no cérebro literalmente partidas, a mãe pode esfregar a mão no cocuruto do filho, e todos assumem que isto é carinho. 

Não me parece uma questão simples, envolve sofrimento em todas as partes. Argumentam contra a agressividade do paciente, mas em momento algum se perguntam sobre as causas dela. Para se tratar uma dor de cabeça é preciso saber sua causa? Uma dor de estômago se trata diferenciadamente caso sejam gases ou câncer. Se estão assumindo que o temperamento do sujeito é doença, não deveriam buscar causas, e trabalhá-las afim de experimentar a cura? Mas não, assumem que caso anulado o sintoma, caso anulado o estorvo, logo o problema foi resolvido. Em sua explicação, o cirurgião ainda explica que o procedimento "causa uma pequena lesão controlada para 'tentar' controlar aquele sintoma", e quando quer falar sobre os males que provoca o sintoma ele gagueja, lhe ocorre um lapso, faltam palavras, mas resolvido o conflito na consciência assim conclui, o transtorno da doença afligia a família, não o doente. 

Fizeram a mesma cirurgia em uma criança de 12 anos, e dizem que passa bem, isto deve significar simplesmente que sobrevive. Só e somente querem controle sobre a agressividade, não se fala uma única palavra sobre o bem estar do paciente, nem uma.