19 setembro, 2014

Boceta psicótica

Concordo com o pensamento psicanalítco de que existem duas coisa realmente importante ao sujeito: amor e trabalho; gozo e produção. Acredito que ambos pontos se convergem, trabalhamos para amar, gozamos para produzir. No que tange a profissão do músico não haveria de ser diferente. 

Um personagem famoso no mundo da música é o rockstar, estrela do rock, rochaestrela, comumente retratado em um moderno jardim epicurista recheado de drogas, rock n roll e sexo. Por certos motivos, que hoje já não surpreendem mais ninguém, os homens, cis, héteros, encorporam a maioria dos rochaestrela, o que resulta em um cenário onde os homens se instrumentalizam com guitarras nas mãos e microfones à boca, e as mulheres oferecem seus sexos como “paga natural” da profissão. 

A música, o roquenrrou, o rocha e rola, e talvez toda a, as, Arte, artes, deve causar estranhamento. O estranhamento é o único efeito do conhecimento. Quando se encomendam um novo quadro de Duschamp e ele lhes entrega um miquitório, assinado por outra pessoa, que público sentiu-se provocado pelo comportamento do artista? 

A academia é locus de reflexão, crítica, controvérsias, teorias e práticas, práxis, paradigmas e suas rupturas. O que é produzido na academia primeiro interfere na academia. O feminismo é um discurso, uma militância que nasce em movimentos sociais, que logo é absorvido e desenvolvido pela universidade. Uma banda surge na universidade, ideia de cinco amigos que querem reviver um tempo que nunca viveram, nostalgia de outrora em que nunca estiveram, em suma pura fantasia criada pelo desejo desses cinco amigos, homens, cis, héteros. Dizem querer representar o que o glam rock propunha: homens maquiados, de calças justas, cabelos compridos, de permanente, faixas no cabelos, nas calças, decotes; homens femininos e muito sexualizados; para sexualizar esses roqueiros deve recorrer ao corpo da mulher, mas ainda têm medo do fantasma da homossexualidade, por isso a submissão da mulher. 

Ao fim da primeira apresentação, cover, jukebox, sem trabalho próprio, atendendo a demanda um público específico, a banda de acadêmicos faz uma sessão de fotos a fim de divulgação, marketing, popularidade, numa dessas fotos os cinco integrantes estão de pé olhando para a câmera, quatro destes têm mulheres ajoelhadas a sua frente, de costas para a câmera, fazendo como se estivessem “pagando um boquete” pros roqueirões bem sucedidos. O rapaz que tem sua virilha desocupada serve de piada aos outros conquistadores como aquele que prefere tomar uma cerveja a transar com um mulher, torna-se piada: como pode um homem, hétero, cis, preferir cerveja a um boquete? Ridículo, todo homem deve querer transar com mulheres, a todo momento, nenhuma boceta deve ser desperdiçada! 

Não são as meninas da foto as ofendidas, afinal elas aceitaram fazer a foto, legalmente, burocraticamente, está tudo em ordem (em direção ao progresso, um empresário tá preocupado com a grana que essa polêmica pode lhes dar; música? arte? política? de nada ele entende, nem pode querer saber, é o significado cru de ignorante; se o papel diz que é permitido, pronto, a polícia não acha ruim portanto é bom), inclusive estão no direito de gostarem de fazer sexo grupal em público, mas a pergunta é para o efeito da imagem composta: o que pensam todas as outras pessoas que se deparam com a foto? Impossível saber, porém sendo eles amigos de militantes feministas, sendo eles filhos de mães mulheres, surpreendeu a ingenuidade, falta de cuidado, falta de reflexão, para fazer uma piada. Não respeitam sequer a boa piada, que pede pra ser composta, com suas pausas, nuâncias, agressiva com a pessoa certa. É piada sem graça. Sem falar que a piada ainda foi mal feita, os homens, machos o suficiente para merecer mulheres a seus pés, mas não para abrir suas calças, se por na piada, compor junto, humilhar-se junto, por à mostra seus pênis moles e impotentes (não deve ser mistério pra ninguém que os homens passam a maior parte do tempo de pau mole, com uma mangueira que serve apenas pra urinar); a composição da imagem só é explícita enquanto se utiliza e atinge as mulheres, não tiveram coragem de se sujeitar pra compor um retrato mais representativo. 

Tenho outras sugestões pras fotos de bando de não músicos: negros roadies sendo obrigados a carregar o maior dos amplificadores de baixo, enquanto os músicos tomam champagne com seus mecenas; ou amputados e outras pessoas com deficiência mostrando suas “superações” e graças sobre o palco afim de divertir a plateia que, com certeza, é bem esclarecida pra reconhecer a tênue linha entre a piada agressiva e a agressividade agressiva. Concordo com a inferência de que toda piada é agressiva ou sexual, no entanto afim de arrancar o riso, o agredido deve “merecer” a agressão. Por que não retratam a submissão desses homens foram maquiados por suas namoradas, que pegaram roupas emprestadas e espremeram suas bolas para serem o que não são? Uma boa piada deve ser bem escrita, pensada, refletida, se não se torna apenas uma ofensa. 

Por último, os membros da banda e as pessoas ofendidas são amigos, colegas, e ao primeiro sinal de confronto foi acionada uma instância legal, o empresário da banda, também conhecido como sogro de um dos integrantes, um “pai” em suma.Pareceu faltar culhões para assumir responsabilidade de um retrato seu e discutir com um amigo, uma amiga. Pergunto-me ainda que representatividade tem uma banda que fez um show apenas? Um show com música dos outros, pode parecer banda que não fala por si, que usa apenas palavras dos outros, inclusive de pai de namorada. Que autoridade, que referências eles têm para tentar se defender contra mulheres que reconheceram ali mais um retrato da opressão contra elas? 

Acusam essas mulheres de serem feminazi. A esse argumento não consigo pensar noutra referência se não a famosa frase de Freud, aqui parafraseada: “O homem é dono do que cala e escravo do que fala. Quando banda de glam rock fala de feminismo sei mais de banda de glam rock que de feminismo”. Falam sem conhecimento de causa, e isso é óbvio: são homens. Eu não sou feminista, mas defendo o feminismo, acho arriscado e um pouco ingênuo um homem que diz com a boca cheia “sou feminista”. Falam de feminismo como uma espécie de contraposição, um giro de 180°, ao machismo. No entanto machismo parte do pressuposto de que aquilo que é do macho, pênis e estrutura física, tem sua razão de dominação, em detrimento daquilo que é da fêmea, vulva, útero, seios, braços menos fortes. O feminismo defende aquilo que é feminino, que é um conceito mais abstrato do que o que é da fêmea, e o feminismo não infere contra aquilo que é masculino, marcial, mas se põe entre as pessoas querendo seu lugar de direito, para que mulheres e homens possam usufruir de seus atributos, assim como aquilo que é masculino, mulheres não são ovacionadas por tomarem posições masculinas? Daquilo que referimos, em um primitivismo fantasioso, ao que concerne à caça e outras virilidades? Não é a posição dos machos que se quer tomar, mas é o ideal feminino que se quer diluir. Quando um bando de guris se mantém na posição de macho usando de pilar mulheres submissas, estão fazendo um grande desfavor à militância de suas amigas, mães e outras mulheres (e homens?), fazem graça da desgraça. 

Não é um problema legal, nunca é. As resistências, as minorias estão sempre marginalizadas, à margem, à esquerda, portanto estão fora da lei. Mas não esqueçamos que nossos legisladores ainda são maioria homens, cis, héteros, burgueses, podres de rico, quem irá defender os indefensáveis? O rock n roll poderia fazê-lo, a música, a arte, pois ela não depende da demanda da situação, mas provoca reflexão para oposição. Não que tudo deva ser feito à sombra da paranoia política, mas todos somos, no cotidiano, inteiros e portanto políticos.

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