02 maio, 2017

Falar sem dizer

Escrever em Inglês pode ser uma escolha estética. Ele tem texturas, cores, sons, prosódias diferentes de nossa língua mãe. Muitas palavras são monossilábicas, e alterações de prosódia não mudariam necessariamente o sentido. Pode ser também uma adaptação à linguagem internacional, de mercado, em especial da internet, onde por decreto, ou não, é língua padrão, e das mais faladas no mundo se incluirmos segunda língua. Mas se fosse esse o caso, também veríamos conterrâneos nossos escrevendo em Espanhol, quiçá em Mandarim, o que não acontece.

Ouço nas discussões sobre o assunto um julgamento de gosto em cima de duas justificativas: que outros compositores pelo mundo também escrevem em inglês; que os artistas devem ter a liberdade de escolha e isto não deveria servir de crivo ao público. Bandas Brasileiras que tem o repertório em Inglês costumam circular em nichos específicos do gênero, como no Metal, Punk, etc, onde, talvez, o público releve a língua falada por priorizar outros atributos dessas músicas. A meu ver a discussão se perde aqui - pouco importa o gosto pessoal de cada um. Na medida do possível, em abstrato, o que pode representar cantar em inglês? A construção do argumento elucidará nossa preferência.

Por fim, sinto que compondo em Inglês o Brasileiro se isenta da responsabilidade do que está dizendo. Não seria absurdo dizer que a maioria do público de cá não entende Inglês, ao menos de imediato, sem precisar traduzir. Para este sujeito o sentido do que se diz chega muito depois do sentido musical, digamos - harmonia, melodia, ritmo, etc. Há músicas - RAP, repente, por exemplo - em que o texto é protagonista, há outras, incluo aqui a bossanova e o jazz, em que o texto é, ou pode ser, coadjuvante. Sinto, e isto é bem pessoal, que bandas Brasileiras compõem em Inglês pra não se implicarem naquilo que estão dizendo, poderem dizer sem fazer, a priori, sentido. O sentido, aquilo que se sente, fica a cargo de potências, digamos, musicais.

Pessoalmente não acredito que seja na capacidade cosmopolita do Inglês que nossos compositores mais se apoiam pra compor, por mais que assim o afirmem, mas nesta espécie de facilidade e pouca implicação com o que se diz. Exemplifico o que digo com uma música minha, composta aos 13 anos. Nesta época eu utilizava o Inglês sem nenhuma razão ou censura, Bernardo Flesch que me fez revisitar este tema, e hoje leio nesta minha ingenuidade um deboche contra isso de escrever em Inglês.



Outra música minha, mais recente, precisamente sobre este tema é "If u r wrong (do it all again)". O texto repetitivo, falando sobre fazer errado e tentar de novo, é uma provocativa - no caso, a mim mesmo - pra continuar fazendo, tentando e errando, fazer poesia não é simplesmente escrever o que se quer dizer.

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